LEIA A REPORTAGEM SOBRE COMO SE VIVE NO BAIRRO DA BELA VISTA, esta quinta-feira, na VIS�O
Outono de 1999. Noite cerrada. Dois carros irrompem numa das principais art�rias de Set�bal onde, por sinal, se situa uma esquadra da PSP. Uns quarteir�es mais � frente fica uma loja de telem�veis. � este o alvo dos seis jovens que se dividem nas duas viaturas. Dois t�m 18 anos e o resto entre os 13 e os 15. Um dos carros entra violentamente de marcha-atr�s pela montra da loja, rebentando a grade. O alarme dispara e os mi�dos arrebanham os telem�veis que podem.
T�m algum tempo para o fazerem uma vez que o outro autom�vel do grupo estava estacionado � sa�da do parque da esquadra. A pretexto de uma avaria, conseguem bloquear por largos segundos os carros da pol�cia que se dirigiam ao local do assalto. Quando a PSP finalmente avan�ou. um toque para o telem�vel do condutor que estava � porta da loja fez com que o bando se esfumasse na escurid�o.
Foi assim com �xito que o gangue do Multibanco (ou do ATM, como tamb�m � referenciado) fez a sua apari��o no mundo do roubo violento. De 1999 at� agora o rasto criminal enumera-se pelos mais de 3 milh�es de euros que o grupo arrecadou em assaltos a bancos, caixas de Multibanco, esta��es dos CTT, lojas e caf�s.
S�o entre 20 a 30 elementos, h� muito conhecidos de gingeira das autoridades. Mas com poder suficiente para conseguirem p�r o bairro da Belavista em estado de s�tio e de mostrarem v�rias vezes os dentes � pol�cia, a avaliar pelos cocktails molotov, pedras e at� tiros que foram disparados nos �ltimos dias � fachada da esquadra daquele bairro problem�tico.
O pretexto para esta mini-Intifada foi o protesto pelo facto de Antonino, ou "Toninho", 23 anos, um dos l�deres carism�ticos do gangue, ter sido alvejado fatalmente pela GNR, na madrugada de 30 de Abril, no Algarve, numa persegui��o autom�vel ocorrida ap�s cinco elementos do grupo terem assaltado uma caixa ATM num hospital.
"Toninho" fora, por sinal, um dos intervenientes do roubo � loja de telem�veis em 1999. Estava ali�s, desde os 13 anos referenciado pela pol�cia como um delinquente perigoso. Ter� at� feito parte, assegura fonte da PJ, no "gangue da CREL", que em 2001 foi respons�vel por v�rias pilhagens em esta��es de servi�o naquela via r�pida circular de Lisboa.
Um magistrado do Minist�rio P�blico que h� dez anos lida com as fa�anhas do gang setubalense diz que Antonino se destacava por ser "um �s do volante, desde rapazola, perito em despistar a pol�cia a seguir aos roubos".
O truque do �cido
O roubo que levaria � morte de Toninho, ocorrido em Portim�o, espelha bem o modus operandi do gang do ATM, no que respeita � largura geogr�fica da sua actua��o. O grupo come�a por, invariavelmente, roubar um carro de alta cilindrada em Set�bal - muitas vezes atrav�s de carjacking. Depois, segue-se um raide por auto-estrada com vista a arrebanhar umas quantas caixas de multibanco.
No regresso a casa, os elementos do gang costumam parar numa zona de mato junto � EN10 que liga Set�bal a Almada, onde retiram o dinheiro e abandonam os ditos terminais ATM. Com frequ�ncia, os carros usados nos roubos s�o incendiados ou regados com �cido para apagar os seus vest�gios.
A Grande Lisboa e o Algarve costumam ser os destinos de elei��o, mas o certo � que a primeira deten��o de um membro deste bando ocorreu perto de Torres Novas. Depois de roubarem dois BMW topo de gama, cerca de dez elementos seguiram para aquela cidade ribatejana tendo roubado uma caixa ATM num hipermercado. Seguiram para uma zona florestal para descarregar o dinheiro, mas foram emboscados pela GNR e pela PJ que h� horas lhes monitorizavam os passos. Apenas um dos dez assaltantes foi preso.
Em 2007 a PJ de Set�bal investigara de forma aprofundada a ac��o deste grupo criminoso da Bela Vista. Identificaram quatro a cinco subgrupos distintos (com os respectivos l�deres e membros) e detectaram que havia flutua��o de elementos entre um grupo e outro."Ao contr�rio de gangs de outras zonas, em que h� bastante rivalidade e no��o de territ�rio, aqui estes grupos d�o-se bem uns com os outros o que lhes aumenta a efic�cia", reconhece o referido magistrado do MP.
O relat�rio desta investiga��o da PJ de Set�bal foi enviado para a directoria de Lisboa para ser analisada a actua��o destes grupos, cruzando-a com roubos semelhantes ocorridos na capital para ver se existiria correspond�ncia.
Armas e esconderijos
Nesse documento da Judici�ria constavam j� os nomes dos principais cabecilhas como "Toninho" e "Titi". Quinito, o �nico operacional do grupo que est� preso e descrito por alguma imprensa como um dos generais do bando, n�o ser� mais, assegura fonte policial, do que um lugar-tenente.
A PJ apurou tamb�m que o dinheiro dos roubos �, muitas vezes, entregue pelo bando aos seus pais e outros familiares, ou seja, fica suficientemente disperso para que algum dos membros n�o seja apanhado com um generoso e suspeito lote de notas. Al�m disso, o estado degradado de muitas habita��es da BelaVista tornaram o bairro prop�cio para o grupo ali ter um entreposto de armas. V�rias opera��es policiais nos �ltimos anos levaram � apreens�o de um pequeno arsenal, que estava armazenado em esconderijos que o grupo criava em velhas arrecada��es ou debaixo dos telhados.
Ao n�vel da organiza��o, os v�rios subgrupos teriam uma cabe�a comum de cinco ou seis pessoas, que delineavam e acompanhavam todas as ac��es de roubo.
Se a dissemina��o do gang em v�rias c�lulas j� de si dificulta o trabalho da pol�cia, o facto de o grupo recrutar novos aspirantes n�o s� dentro, como tamb�m fora deste bairro problem�tico de Set�bal (adolescentes com problemas familiares e escolares de outras zonas da cidade) � outro �bice para as autoridades- que por vezes perdem o p� � entrada de novos membros para o bando.
Foi o que sucedeu a Tiago Semedo, 22 anos, "Seedorf", que a 13 de Fevereiro �ltimo foi abatido pela pol�cia na sequ�ncia de uma persegui��o que durou 50 quil�metros. Acompanhado por mais tr�s membros do grupo, Tiago conduzia um potente Audi A6, roubado ao in�cio dessa madrugada, e na troca de tiros, na estrada entre Palmela e Set�bal, com a GNR, foi atingido no peito.
Os outros empurraram-no para fora do carro, tendo Seedorf cambaleado durante quase um quil�metro, at� avistar uma quinta. Cairia inanimado junto a um pomar e chegaria ao hospital j� cad�ver. Era um desconhecido para as autoridades, uma vez que a pol�cia s� tinha mandados de deten��o para os outros tr�s ocupantes do carro.
� terceira � de vez
Nessa noite que tiraria a vida a Tiago, o encal�o da pol�cia come�ou logo que o carro roubado em que se deslocavam foi sinalizado. O grupo conseguiu despistar os agentes, junto a Palmela. S� que em vez de aproveitarem aquele bafo de sorte e se recolherem, decidiram assaltar o posto dos CTT de Palmela o que gerou a persegui��o policial que viria a ser fatal para Seedorf.
"Se no in�cio do grupo eles n�o usavam armas e davam a coisa por terminada quanbdo aparecia a pol�cia, nota-se, nos �ltimos anos um aumento da agressividade, dos limites do desafio e da sensa��o de impunidade", assinala o mesmo magistrado MP de Set�bal. "Muitas vezes, decidem os roubos numa quest�o de momento e a �nsia � tanta de cumprirem o ritual de grupo que caem em erros infantis e caricatos", completa o mesmo procurador.
Veja-se um dos �ltimos exemplos do gang, ocorrido j� este ano. S�o oito horas da manh� e tr�s membros do gang ATM est�o a passara ponte sobre o Tejo, depois de terem roubado um carro para irem passar a noite a uma discoteca de Lisboa. Um deles prop�e, coma imediata anu�ncia dos outros, ir "fazer" um banco a Almada. Quando passam pela primeira porta de vidro da ag�ncia banc�ria escolhida, h�, como de costume, uma segunda porta. Que se encontra fechada.
O grupo encosta uma pistola ao vidro para que os funcion�rios do outro lado a abram. Estes, naturalmente, primem o alarme e um dos elementos do gang dispara, sem sucesso, para o vidro � prova de bala. Vencidos, mas n�o convencidos, decidem ir repetir a proeza para um banco do Fogueteiro, na zona do Seixal. Desta vez, munem-se de uma pedra gigante que arremessam v�rias vezes para a porta da ag�ncia, sem a conseguir quebrar.
J� com dois alarmes de assalto e meia PSP da margem sul atr�s deles, ainda tentam a sorte mais uma vez. Dirigem-se ao Jumbo de Set�bal, onde as ag�ncias do centro comercial funcionam em espa�o aberto. Enquanto o condutor espera no parque de estacionamento, os outros dois, encapuzados e com pistolas em punho, sobem disparados as escadas rolantes do centro, empurrando as pessoas que est�o no caminho. Ter�o a mesma postura no sentido inverso, depois de roubarem menos de mil euros do banco. O carro arranca a toda a brida, batendo numa s�rie de outros autom�veis ali parados no parque e o trio dirige-se � periferia da cidade para largarem o carro. Ao sairem, tiram as m�scaras, mas s�o vistos. � dist�ncia, por um agente reformado da GNR que conhece o grupo de gingeira.
Adeus pulseira
O grupo foi h� dias acusado pelo MP de Set�bal por tr�s crimes de roubo (dois deles tentados), gra�as � identifica��o do dito militar. Este processo poder� muito bem vir a ser uma das raras vit�rias judiciais contra este gangue. Em Set�bal, cidade que em 2008 registou 38 532 crimes (105 por dia, mais de quatro por hora), 95% dos crimes de roubo participados s�o contra desconhecidos.
Quase todos estes inqu�ritos acabam arquivados. O gang do ATM que, asseguram fontes judiciais e policiais, � respons�vel por uma larga fatia desta cifra, actua por norma encapuzado o que impossibilita a identifica��o. "Mesmo quando h� testemunhas oculares, estas desdizem-se e recuam quase sempre por n�o quererem chatices", assinala o mesmo magistrado.
Mesmo quando h� mat�ria para avan�ar com acusa��es de roubo, a pena de pris�o prevista n�o excede os dois anos. "Mas muitas vezes, quando fazemos buscas a casa deles e apanhamos montes de t�nis, telem�veis ou aparelhagens, s� os conseguimos indiciar por recepta��o de material roubado", explica a mesma fonte judicial.
Muitos acabam por ser penalizados com multas ou, no limite, com alguns meses de pris�o domicili�ria. Foi o que aconteceu h� uns meses com "Toninho", na sequ�ncia de um processo de roubo em Sintra. Mas rebentou com a pulseira electr�nica.
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