terça-feira, 14 de julho de 2009

ARTIGO DE M�RIO CRESPO

Portugal precisa de jactos executivos para transporte de governantes?

Pronto! Finalmente descobrimos aquilo de que Portugal realmente precisa: uma nova frota de jactos executivos para transporte de governantes. Afinal, o que � preciso n�o s�o os 150 mil empregos que Jos� S�crates anda a tentar esgravatar nos desertos em que Portugal se vai transformando. T�o-pouco precisamos de leis claras que impe�am que propriedade p�blica transite directamente para o sector privado sem passar pela Partida no soturno jogo do Monop�lio de pedintes e espoliadores em que Portugal se tornou. N�o precisamos de nada disso.

Precisamos, diz-nos o Presidente da Rep�blica, de trocar de jactos porque avi�es executivos "assim" como aqueles que temos j� n�o h� "nem na Europa nem em �frica". Cavaco Silva percebe, e obviamente gosta, de avi�es executivos. Foi ele, quando chefiava o seu segundo governo, quem comprou com fundos comunit�rios a actual frota de Falcon em que os nossos governantes se deslocam.

Voei uma vez num jacto executivo. Em 1984 andei num avi�o presidencial em Mo�ambique. Samora Machel, em cuja capital se morria � fome, tinha, tamb�m, uma paix�o por jactos privados que acabaria por lhe ser fatal.

Quando morreu a bordo de um deles tinha tr�s na sua frota. Um quadrimotor Ilyushin 62 de longo curso, vers�o presidencial, o malogrado Antonov-6, e um lind�ssimo bimotor a jacto British Aerospace 800B, novinho em folha. Tive a sorte de ter sido nesse que voei com o ent�o Ministro dos Estrangeiros Jaime Gama numa viagem entre Maputo e Cabora Bassa. Era uma aeronave fant�stica. Um ter�o da cabina era uma magn�fica casa de banho. O resto era de um requinte de decora��o not�vel. Por exemplo, havia um pequeno arm�rio onde se metia um assistente de bordo magro, muito esguio que, num prod�gio de contorcionismo, fez surgir durante o voo min�sculos banquetes de tapas variad�ssimas, com sandes de beluga e rolinhos de salm�o fumado que deglutimos entre golinhos de Clicquot Ponsardin. Depois de nos mimar, como por magia, desaparecia no seu arm�rio. Na altura fiz uma reportagem em que descrevi aquele luxo como "obsceno". Fiz nesse trabalho a compara��o com Portugal, que estava numa craveira de desenvolvimento totalmente diferente da de Mo�ambique, e n�o tinha jactos executivos do Estado para servir governantes.

Nesta fase metade dos rendimentos dos portugueses est� a ser retida por impostos. Encerram-se maternidades, escolas e servi�os de urg�ncia. O Presidente da Rep�blica inaugura unidades de sa�de privadas de luxo e aproveita para reiterar um insuspeitado direito de todos os portugueses a um sistema p�blico de sa�de. Numa altura destas, comprar jactos executivos � t�o obsceno como o foi nos dias de Samora Machel. Este irrealismo brutalizado com que os nossos governantes eleitos afrontam a car�ncia em que vivemos ultraja quem no seu quotidiano comuta num transporte p�blico apinhado, pela Segunda Circular ou Camarate, para lhe ver passar por cima um jacto executivo com governantes cujo dia a dia decorre a quil�metros das suas dificuldades, entre tapas de caviar e rolinhos de salm�o. Claro que h� alternativas que v�o desde fretar avi�es das companhias nacionais at�, pura e simplesmente, cingirem-se aos voos regulares.

H� governantes de pa�ses em muito melhores condi��es que o fazem por uma quest�o de pudor que a classe que dirige Portugal parece n�o ter.

Vi o majest�tico Fran�ois Miterrand ir sempre a Washington na Air France. N�o � uma quest�o de soberania ter o melhor jacto executivo do Mundo. � s� falta de bom senso. E n�o venham com a hist�ria que � mesquinhez falar disto. � de um pato-bravismo intoler�vel exigir ao pa�s mais sacrif�cios para que os nossos governantes andem de jacto executivo. N�s granjear�amos muito mais respeito internacional chegando a cimeiras em voos de carreira do que a bordo de um qualquer prod�gio tecnol�gico car�ssimo para o qual todo o Mundo sabe que n�o temos dinheiro.

M�rio Crespo. Jornalista

Sem comentários: