sexta-feira, 7 de agosto de 2009

HISTORIA DAS NEGOCIA��ES SECRETAS PARA A PAZ EM MO�AMBIQUE

D. Matteo Zuppi e a Comunidade de Santo Eg�dio

HIST�RIA DAS NEGOCIA��ES SECRETAS PARA A PAZ EM MO�AMBIQUE

N�o somos a diplomacia paralela da Santa S�

M�rio Martins

Santo Eg�dio � sin�nimo de trabalho pela paz. A comunidade tem desenvolvido m�ltiplas iniciativas em prol do entendimento entre os homens. Nesta entrevista conta-se, em pormenor, todo o desenrolar das negocia��es secretas que conduziram � paz em Mo�ambique. A Frelimo e a Renamo sentaram-se � mesma mesa, em Roma, durante meses, a convite da Comunidade de Santo Eg�dio. O padre Matteo acompanhou todo o processo.

Romano, 47 anos de idade, Matteo Maria Zuppi esteve recentemente em Portugal, para participar nas primeiras Jornadas promovidas pelo Instituto Superior de Teologia de Viseu, intituladas Di�logo inter-religioso na constru��o da Europa. O MENSAGEIRO foi ouvi-lo num fim de tarde, depois de seis horas de debate com padres, seminaristas, estudantes de Teologia e outros interessados.

Af�vel, bom conversador, aceitou o convite para contar como decorreram as negocia��es para vencer a guerra em Mo�ambique. Mas falou-se, tamb�m, da Guatemala e da Arg�lia, da S�rvia e do Kosovo. Talvez assim se fique a conhecer melhor porque � que o nome da Comunidade de Santo Eg�dio � sin�nimo de paz.

Como � que a Comunidade chegou a interessar-se pela situa��o em Mo�ambique ou como � que o problema da guerra em Mo�ambique chegou � Comunidade?

D. Matteo - Foi atrav�s da Porta Aberta. Santo Eg�dio n�o representa o in�cio da Comunidade. Esta come�ou em 1968 e em 1973 � que cheg�mos a Santo Eg�dio, como lugar confiado � Comunidade. A� come��mos a fazer uma ora��o, todas as noites, �s 20h45, aberta a quem queria entrar. Uma vez, convid�mos um bispo de Mo�ambique, o arcebispo da Beira , a participar na ora��o. E come�ou uma amizade entre n�s e ele. No in�cio, ele falou-nos do problema existente entre o Estado e a Igreja. O Estado, no in�cio, tinha uma imagem muito negativa da Igreja, nacionalizou todos os templos; olhava a Igreja como colaboradora do antigo regime. Mas boa parte da Igreja tinha estado do lado da independ�ncia, embora grande parte dos bispos fossem africanos, porque a Santa S� mudou muitos deles em 1974 e 75.

Como actuaram?...

- N�s col�camos o bispo D. Jaime em contacto com o Partido Comunista Italiano. N�s n�o conhec�amos ningu�m, mas cham�mos alguns apoiantes, um pequeno grupo, e depois cheg�mos at� ao pr�prio Berlinguer, o secret�rio-geral. O PCI era um dos mais importantes da Europa, n�s pensamos que era mesmo um dos mais importantes do mundo. Na verdade, o PCI chegou a ter 45% dos votos em It�lia, um pouco antes de ter assinado o compromisso hist�rico com a democracia crist�. Berlinguer era um homem de cultura, um homem com sensibilidade. Ele mostrou-se sensibilizado com o nosso contacto e mandou o irm�o a Mo�ambique, porque havia uma liga��o muito forte entre o Partido Comunista Italiano e a Frelimo. Muitos membros da Frelimo tinham constru�do la�os muito fortes com o PCI durante os anos da luta de liberta��o. Ent�o, o irm�o de Berlinguer foi a Mo�ambique dizer-lhes: Olha, voc�s t�m de se reunir com a Igreja para encontrar solu��o para alguns problemas. Depois, ele pediu-nos ajuda, porque Mo�ambique vivia um problema muito grave, em 1984, com a seca. E n�s come��mos a enviar ajuda. Mas o problema era este: qual o sentido desta ajuda, se o pa�s continuava em guerra? Os bispos de Mo�ambique fizeram algumas cartas pastorais muito importantes, nas quais defenderam a necessidade de di�logo. Depois, foram falar com o presidente de Mo�ambique, Joaquim Chiassano, e ofereceram-se como mediadores para o di�logo com a Renamo. N�s queremos contactar a Renamo..., disseram-lhe. Chissano respondeu-lhes: Isso � convosco. Eu n�o vos pe�o para irem falar com a Renamo, mas se voc�s querem ir falar, � um problema vosso.... Isto aconteceu no final de 1987, princ�pios de 1988.

Ainda existia o Muro de Berlim...

- Sim. Mas a situa��o em Mo�ambique era diferente da de Angola . Angola era como que um laborat�rio da Uni�o Sovi�tica, at� mais do que um laborat�rio... Em Mo�ambique, a Frelimo tinha liga��es com Moscovo, mas tamb�m tinha boas rela��es com os Estados Unidos da Am�rica.

Por causa da proximidade da �frica do Sul?

- Porque era pragm�tica! Isso j� era vis�vel no tempo de Samora Machel. Recorde-se o Acordo do Incomati, que Samora Machel assinou com o regime de apartheid sul-africano e que fez acabar com as actividades do ANC em Mo�ambique. Mo�ambique mantinha boas rela��es com os Estados Unidos e com muitos pa�ses europeus. A Frelimo era pragm�tica.

Os bispos, ent�o...

- At� 1988 n�o era poss�vel falar com a Renamo, porque era falar com os terroristas, com os bandidos armados. A partir do momento em que D. Jaime e os outros bispos mo�ambicanos receberam esta luz verde do presidente Chissano, D. Jaime chamou-nos imediatamente e disse: N�s temos esta luz verde, ajudai-nos a encontrar a Renamo!. E n�s come��mos � procura do caminho da Renamo.

Como � que fizeram? Foram a Mo�ambique?

- N�o. A estrat�gia foi procurar elementos da Renamo no exterior e verificar se tinham um contacto directo com a Renamo. A Frelimo era uma estrutura muito interna, o Dlakhama estava no terreno, nunca ningu�m o tinha visto. Ent�o, apareciam pessoas que nos diziam Eu sou da Renamo, mas depois verificava-se que n�o tinham qualquer liga��o directa � Renamo que estava a combater em Mo�ambique. E fomos testando contactos. Uma vez, encontr�mos um mo�ambicano que vivia na Alemanha e que julg�mos ter uma boa liga��o � Renamo que estava no interior de Mo�ambique. E dissemos-lhe: Muito bem, tu tens de nos dar um sinal concreto. E pedimos-lhe a liberta��o de uma religiosa portuguesa que tinha sido raptada.

A Renamo raptava religiosas?

- Sim, mas mais por medo que depois dos ataques chegassem as for�as da Frelimo e matassem as popula��es, para acusar a Renamo. Esta foi, pelo menos, a justifica��o que depois nos deram.. N�s temos de as levar connosco, caso contr�rio chega o Ex�rcito regular e mata, disseram-nos. E muitas vezes isso ter� acontecido, porque o Governo pensava haver uma colabora��o entre os camponeses e a Renamo. Ent�o, a Renamo atacava e levava consigo a aldeia inteira, para evitar repres�lias sobre os habitantes.

E esse sinal foi dado?

- Sim, muito rapidamente. Levaram a religiosa portuguesa at� � fronteira de Mo�ambique com o Malawi e n�s mand�mos l� um mission�rio para a receber. Correu tudo bem e, ent�o, n�s decididmos que aquele era o canal bom, o canal apropriado para contactar directamente a Renamo no terreno.

Estava aberto o caminho para as negocia��es...

- N�o, porque de in�cio a Frelimo n�o queria negociar. A Frelimo queria que, em primeiro lugar, a Renamo entregasse as armas. Depois, propunham uma amnistia, dizendo: Voc�s s�o culpados, mas n�s perdoamos e voc�s podem regressar a casa. Mas a Renamo respondia: N�s peg�mos em armos porque queremos fazer isto, isto e isto. Portanto, se voc�s n�o fazem essas mudan�as, n�s continuaremos a lutar. A amnistia, para a Renamo, era um insulto, porque n�o se sentia culpada de nada. A guerra tinha come�ado n�o porque a Renamo fosse um bando de ladr�es, mas porque do outro lado estava um poder marxista que defendia solu��es pol�ticas com as quais a Renamo n�o concordava. E por isso dizia Se voc�s n�o mudam, n�s continuamos a lutar. Mas a Frelimo n�o queria negociar. O Governo aceitava que os bispos falassem com a Renamo, mas para convencer esta a entregar as armas.

Uma situa��o dif�cil....

- Sim. Em Maio de 1988, combin�mos uma viagem de D. Jaime � Gorongoza, porque o bispo era muito aceite pela Renamo. Antes, t�nhamos promovido um encontro entre D. Jaime e o contacto da Renamo que vivia na Alemanha; depois, organiz�mos a viagem de D. Jaime � Gorongoza, com a ajuda dos sul-africanos, o que prova que estes ainda tinham la�os com a Renamo. Mas o bispo n�o sabia que o encontro se iria realizar dentro de Mo�ambique, pensava que iria ser na Z�mbia. Os sul-africanos fizeram isto, segundo disseram, para n�o assustar D. Jaime. A viagem foi feita toda durante a noite; partiram de noite e regressaram ainda durante a noite, de avi�o. Foi a oportunidade de D. Jaime falar, durante duas ou tr�s horas, com Dlakhama. Este encontro foi fundamental, porque Dlakhama - que j� confiava em D. Jaime e come�ava a ter confian�a connosco - disse Este � o verdadeiro caminho para a paz.

Estava cansado da guerra...

- N�o. Ele disse: Se n�s temos de falar, � com estes que devemos falar. Por um lado, D. Jaime � mo�ambicano e sempre falou de di�logo, mesmo fazendo zangar o Governo mo�ambicano. Depois, porque a Comunidade de Santo Eg�dio n�o tem nenhum interesse em Mo�ambique. E ainda havia a circunst�ncia de D. Jaime ser da mesma tribo de Dlakhama; foi uma raz�o secund�ria, mas importante, porque falavam a mesma l�ngua.

Tinha sido aberto o caminho do di�logo

- Depois come�aram contactos no Qu�nia, com a media��o de respons�veis quenianos. Mas estes contactos fracassaram, na minha opini�o porque eram demasiado formais.

E voc�s?...

- N�s n�o fizemos mais nada, nessa altura, porque n�o consideravamos uma parte indispens�vel do processo de di�logo. Se as coisas estavam a andar, perfeito! Mas a verdade � que esses encontros no Qu�nia, em 1989, entre o Governo mo�ambicano e a Renamo, acabaram por fracassar. Ali�s, as duas delega��es nunca se encontraram.

Nunca se encontraram?!

- Foi assim... O Qu�nia convidou as duas delega��es. Quis aloj�-las no mesmo hotel, mas logo que isso se soube, os elementos da Renamo fugiram. N�s queremos negociar, n�o queremos 'coisinhas' assim de estar no mesmo hotel, disseram. Ent�o, o Governo de Mo�ambique enviou uma lista de exig�ncias. Para negociar, voc�s t�m de estar de acordo com isto: um, dois, tr�s, quatro, cinco!. E a Renamo disse: Muito bem. Mas para negociarmos voc�s t�m de estar de acordo com isto.... E enviaram 17 pontos. E o di�logo acabou, sem nunca as duasdelega��es se encontrarem.

Quem estava por detr�s da Renamo?

- Eu penso que, na realidade, n�o havia nada, nem ningu�m. Ali�s, como penso suceder em muitas das guerras em �frica. No in�cio, a Rod�ria e a �frica do Sul apoiaram a reac��o de alguns mo�ambicanos contra a Frelimo. Claro que a Rod�sia branca, de Ian Smith, n�o queria ter ao lado um pa�s marxista. E o mesmo sucedeu com a �frica do Sul; se havia um pa�s que apoiava o ANC, ent�o eles apoiavam quem se opunha ao Governo de Mo�ambique. Mas nunca a Rod�sia nem a �frica do Sul foram os 'padrinhos' da Renamo. Eu penso que a Renamo foi sempre aut�noma. Era uma reac��o de mo�ambicanos, que contava com um certo apoio dos chefes tradicionais, que tinham sido humilhados pelas estruturas da Frelimo. E, depois, havia os erros da Frelimo, a corrup��o, as nacionaliza��es.

Havia portugueses por detr�s da Renamo?

- � dif�cil dizer. Haveria, certamente, alguns portugueses que olhavam bem a Renamo, os portugueses s�o saudosistas... E havia aqueles que tinham visto os seus bens nacionalizados. Mas eu nunca vi ningu�m a dizer a Dlakhama voc� tem de fazer isto, fazer aquilo. N�o, era mesmo o Dlakhama que decidia.

As negocia��es fracassaram e...

- Em 1989, n�s decidimos: � preciso tomar uma iniciativa. E come��mos a dizer a Dlakhama que teria de se deslocar a Roma. Pedimos autoriza��o ao Governo italiano e este disse que sim, mas acrescentando que a desloca��o teria de ser secreta. De qualquer modo, inform�mos o Governo mo�ambicano de que ir�amos tomar uma atitude deste g�nro. O Dlakhama foi a Roma, secretamente, encontrou-se com algu�m do Governo italiano e, ent�o, disse que as negocia��es teriam lugar em Roma.

Quem estava no Governo em It�lia?

- Na altura, Andreotti j� era primeiro-ministro e ajudou-nos muito. Dlakhama chegou sem documentos e os servi�os de seguran�a deixaram-no entrar, e sair de It�lia, sem qualquer documento. Ou seja, o Governo italiano deu cobertura � opera��o..

E pagou os custos?

- N�o. Os custos pag�mos n�s. Gast�mos uma verba significativa para n�s, mas que n�o era nada comparada com os custos da guerra.

Muito dinheiro?

- Algumas centenas de milh�es de liras. Em d�lares, cerca de 300 mil [ao c�mbio actual, cerca de ... euros; ou seja, cerca de ... contos]..

O valor de um autom�vel...

- O valor de um apartamento em Roma, com dois ou tr�s quartos, em Trastevere.

E....

- Depois dessa visita de Dlakhama a Roma, dissemos ao Governo mo�ambicano que era chagada a altura de se encontrar secretamente com a Renamo, em Roma. N�s garant�amos o sigilo. O Governo mo�ambicano aceitou, mas a Renamo mostrou algum receio. E s� em Julho de 1990 � que houve o primeiro encontro.

Na altura, decorria em It�lia o Mundial de futebol....

- � verdade. E n�s pens�mos, entre outras loucuras que fizemos, em levar as duas delega��es a um desafio de futebol do Mundial, um jogo entre as selec��es dos Camar�es e de It*lia, em Roma. E tivemos um problema s�rio, porque um dos elementos da Renamo era parecido (uma semelhan�a long�nqua, mas uma semelhan�a) com.... Pel�. Eles foram para o jogo rodeados pela seguran�a italiana, n�o tinham documentos e, de um momento para o outro, no est�dio, centenas de pessoas come�aram a britar Pel�! Pel�! e a seguran�a entrou em p�nico. Foi um problema s�rio [D. Matteo, que confessa nunca ter entrado num est�dio de futebol, ri-se �s gargalhadas].

As negocia��es...

- As duas delega��es encontraram-se e n�s fizemos um primeiro documento, um documento-chave para a paz, que come�ava com uma frase do papa Jo�o XXIII: buscar aquilo que nos une e colocar de lado aquilo que nos divide. Em segundo lugar, as duas partes reconheciam-se como filhos da na��o mo�ambicana, da mesma fam�lia. Em terceiro lugar, ambos concordavam em prosseguir com este m�todo de encontros para encontrar uma solu��o para o problema da guerra em Mo�ambique. E o encontro decorreu t�o bem que, no final, apesar de ser uma reuni�o secreta, as duas partes decidiram tornar p�blico o comunicado. E quiseram que se soubesse que voltariam a encontrar-se. Foi uma bomba!

Eles ainda estavam em Roma quando foi divulgado o comunicado?

- Sim. Mas n�s impedimos que eles falassem com os jornalistas, porque o encontro era secreto. Sabem que nem sequer temos fotos desse encontro?! T�nhamos receio de estragar tudo e, portanto, nem sequer tir�mos uma foto que fosse nesse dia 10 de Julho de 1990.

Tamb�m assinou o documento?

- Sim. Assinei como testemunha, que era o estatuto da Comunidade de Santo Eg�dio.

E...

- Surgiu o problema de quem seriam os mediadores do processo de paz. E eu convidei-os a regressarem dali a um m�s para resolvermos esse problema. Eles voltaram a Roma. O Governo n�o queria mediadores, queria falar directamente com a Renamo, sem qulquer esp�cie de testemunhas. A Renamo n�o aceitou, exigindo mediadores. Come�aram as divis�es: o Governo queria o Zimbawe como moderador, a Renamo queria o Qu�nia. E nenhum queria o mediador do outro. Ent�o, eles disseram: J� que estamos aqui, estes que nos ajudaram a encontrar-nos � que v�o ser os mediadores. E ficaram como mediadores um representante do Governo italiano, o bispo da Beira, o fundador da Comunidade de Santo Eg�dio (Andrea Ricardi) e eu pr�prio. N�s confiamos em voc�s. Voc�s s�o os mediadores, disseram. E assim come��mos a fazer a media��o.

E assim um padre, o D. Matteo, de um momento para o outro tornou-se num diplomata.

- Sim. De certa maneira, sim. Mas nunca me senti, nem nunca serei diplomata. Penso que um dos segredos � que eles confiaram em n�s, porque viram que n�o t�nhamos qualquer interesse em Mo�ambique e, por outro lado, porque �ramos verdadeiramente neutrais, n�o defend�amos nem uns nem outros. Era uma autoridade moral, que os dois respeitavam. E que permitiu que eles falassem verdadeiramente entre eles.

As negocia��es...

- As negocia��es duraram dois anos. Come��mos em Julho de 1990 e termin�mos em Outubro de 1992.

A parte final foi dif�cil?

- Em Agosto de 1992, Dlakhama e Chissano encontraram-se em Roma. Foi o segundo encontro entre os dois l�deres. E decidiram que a paz seria assinada antes de 1 de Outubro desse ano. Eles foram-se embora e ficaram as duas delega��es a negociar. Havia duas ou tr�s quest�es de fundo que ainda n�o estavam resolvidas e que precisavam de ser analisadas por Chissano e Dlkhama. Este s� chegou a Roma no dia 1 de Outubro e trabalh�mos dois dias sem dormir. O acordo ficou conclu�do na tarde do dia 3 e decidimos assin�-lo no dia seguinte, 4 de Outubro, um domingo, dia de S. Francisco.

Qual foi o �ltimo problema a encontrar solu��o?

- Foi talvez o da administra��o. A Renamo ocupava algumas zonas, nas quais tinha uma certa administra��o paralela. O Governo dizia: Chega! Agora vamos enviar o nosso administrador, a nossa administra��o. Fazemos a paz, ent�o essas zonas s�o territ�rio mo�ambicano e n�s somos o Governo. A Renamo argumentava: N�o. Voc�s v�o mandar em zonas que s�o nossas? N�s temos de ter a nossa administra��o. E cada um tinha as suas raz�es. O Governo dizia n�o poder aceitar a divis�o do pa�s. A Renamo n�o queria ver militares do Governo nessas �reas e se isso acontecesse continuaria a lutar.

E...

- Chegou-se a um compromisso de que o Governo aceitava a administra��o da Renamo como administra��o do Estado.

Seguiu-se a aplica��o do acordo.

- De in�cio n�o quisemos que a Comunidade fosse envolvida na aplica��o do acordo. Quisemos guardar uma certa dist�ncia, quisemos constituirmo-nos como uma certa reserva, para o caso de haver problemas na aplica��o do acordo. Por isso � que envolvemos a ONU; quem aplicou o acordo foram as Na��es Unidas. N�s fic�mos de fora, embora continu�ssemos a resolver algumas quest�es, uma vez que �ramos os mediadores. Faz�amos propostas informais.

Acabou tudo em bem...

- Em 1994 foram feitas as primeiras elei��es livres.

O acordo de paz em Mo�ambique � o grande triunfo da Comunidade de Santo Eg�dio nesta �rea?

- De certo modo, sim. Porque foi um papel formal e porque o acordo de paz resultou. Por outro lado, para muita gente foi um primeiro conhecimento da Comunidade. No entanto, a esta ac��o seguiram-se outras, como o caso da Guatemala , em que promovemos encontros entre a guerrilha e o Governo.

Chegaram a ser convidados para as negocia��es em Timor ?

- N�o. E nem ter�amos de ser, porque havia l� quem trabalhava bem a favor da paz. N�o h� que criar problemas onde eles n�o existem. Em Timor , a ONU j� estava a fazer a media��o. Eu conhecia bem o actual primeiro-ministro, M�rio Alkatiri, estive com ele variad�ssimas vezes. Mas o processo estava a decorrer, n�o havia que intervir. Ali�s, penso que o protagonismo �, muitas vezes, inimigo da paz. Seja o protagonismo de uma pessoa ou de uma organiza��o.

A Comunidade de Santo Eg�dio assume-se como uma estrutura informal da Igreja para as quest�es da paz?

- Somos da Igreja e estamos em Roma. Mas que sejamos uma esp�cie de diplomacia paralela do Vaticano, isso n�o. Somos uma realidade de Igreja, mas que diz respeito apenas a n�s.

Como � que o Vaticano olha para a Comunidade?

- V�-nos bem, somos reconhecidos. Apoia-nos em muitas coisas. Isso sucedeu, por exemplo, quando promovemos um encontro entre fac��es argelinas, em Roma. Foi muito dif�cil, havia muitos partidos envolvidos, no sentido de encontrar o caminho para a democracia. No entanto, o Governo argelino recusou qualquer tipo de di�logo.

Muita gente olhou para esse encontro com muita esperan�a, tanto mais que a Comunidade de Santo Eg�dio estava envolvida...

- O grande problema foi a presen�a da FIS. Mas a verdade � que a FIS � que � o problema. Eles estavam dispostos a dizer aos seus homens Chega! Basta de viol�ncia! se tivesse havido uma abertura ao di�logo por parte do Governo. E n�o houve.

� f�cil elaborar um acordo de paz? Basta apenas colocar as pessoas a falar umas com as outras? H� truques?

- � verdade que h� muitos truqes, h� uma din�mica complicada, complicad�ssima. Mas sem as pessoas falarem umas com as outras � dif�cil chegar a qualquer entendimento e acabar com a a guerra. Falar apenas, n�o chega. Mas falando procura-se uma solu��o; � o in�cio da solu��o. Depois, h� uma din�mica que se estabelece. E, a certa altura, come�a a existir uma cumplicidade entre os negociadores. Vimos isso no caso de Mo�ambique, no caso do Mo�ambique. A certa altura, eu come�o a entender os teus problemas e tu come�as a entender os meus. E depois tens de explicar aos teus seguidores que n�o �s um traidor, e eu tenho de explicar aos meus que n�o sou tonto. E aqui h� uma cumplicidade, mesmo entre as delega��es.

D. Matteo fala destas quest�es, deste trabalho, com muito entusiasmo...

- Eu acredito que a guerra � a m�e de todas as pobrezas. Olha para Angola , um pa�s riqu�ssimo, que vende petr�leo a todo o mundo, e que vive na pobreza! Pense-se no sofrimento que causa.

Gostava de repetir em Angola a experi�ncia de Mo�ambique?

- Eu gostaria de ver Angola viver em paz, uma paz est�vel. Mas tamb�m penso que n�o h� uma f�rmula. Este tipo de trabalho deu resultado em Mo�ambique, poderia n�o dar em Angola . E n�s n�o somos profissionais.

Quando entra na sua igreja, de manh�, vai � espera de encontrar um novo desafio deste tipo ou vai preparado para um dia normal?

- O segredo � n�o nos colocarmos limites. Ningu�m pensava, na Comunidade, ver-se envolvido um dia numa situa��o como a de Mo�ambique, ser mediador de paz ou ver como se constitui um ex�rcito �nico. Mas se somos chamados a colaborar, se algu�m precisa de n�s, n�o podemos fechar as portas. Por isso, dizemos que n�o h� limites que n�o seja lutar contra o mal e fazer a caridade.

Como � que a Comunidade se tem expandido? H� alguma f�rmula?

- A f�rmula mais simples � a do Evangelho: dois ou tr�s que se re�nem... As comunidades cresceram, noutras cidades, noutros pa�ses, em tantos continentes, n�o porque tenhamos ido l� fund�-las, mas porque houve gente desses locais que entrou em contacto connosco. A comunidade de Roma n�o � o centro, � apenas a garantia de um esp�rito de comunh�o entre as diferentes comunidades.

O esp�rito de Assis...

- O esp�rito de Assis tem de continuar e tem de ser uma esp�cia de caminhada..

Assumem-se como herdeiros do apelo � paz feito pelo Papa em Assis?

- Assumimos. Depois de 1986, todos os anos temos promovido encontros. E o que vemos? Tem havido uma participa��o crescente, uma participa��o extraordin�ria. T�m sempre participado chefes de religi�es, patriarcas.. Um dos mais significativos foi o de 1989, em Vars�via. Bel�ssimo! Assinal�mos os 50 anos do in�cio da II Grande Guerra e foi impressionante porque, pela primeira vez, muitos mu�ulmanos foram ver os campos de concentra��o nazis.

Mu�ulmanos?...

- Muitos mu�ulmanos, na verdade, n�o acreditam nos campos de concentra��o. Eles pensam que foi o sionismo que inventou todo o cen�rio dos campos de concentra��o para justificar a exist�ncia do Estado de Israel. Foi a primeira vez que muitos deles foram a Auschwitz . E os mu�ulmanos levaram uma coroa de flores, tal como fizeram todas as outras religi�es.

Lisboa recebeu o encontro anual em ???

- Portugal � o extremo ocidental da Europa, Lisboa � como que o balc�o da Europa. E o sentido desse encontro foi mesmo o de dar esse sinal de abertura para o outro lado.

Como prev� o futuro da Comunidade de Santo Eg�dio? Cresceu enquanto foi novidade e entrar� agora em crise?

- N�o. N�s temos de continuar o nosso trabalho com paci�ncia, porque ainda se continua a matar em nome da religi�o. Este esp�rito de Assis � uma resposta a esses problemas..

Vive em It*lia, um pa�s rodeado de conflitos. Veja-se o caso dos Balc�s e, do outro lado do Mediterr�neo, a Arg�lia... Como se sente, ao olhar t�o de perto essas realidades?

- H� duas maneiras viver. Uma, a mais comum, � pensar que o fogo do meu vizinho n�o me diz respeito e que ningu�m me vai tirar o meu bem-estar. A outra � tentar construir pontes, apoiar a educa��o, ajudar a criar la�os entre os povos. Este �ltimo � o nosso caminho. No caso dos Balc�s, a Comunidade envolveu-se durante dois anos e chegou a ter um acordo assinado por Milosevic e Rugova, sobre o funcionamento das escolas no Kosovo. Isto ainda antes do conflito ter mesmo acontecido. Os s�rvios aceitaram ceder algumas escolas, aceitaram que o alban�s fosse ensinado nessas escolas, aceitaram algumas coisas. O acordo n�o foi assinando em conjunto; Milosevic assinou primeiro, Rugova assinou depois. Mas depois os albaneses optaram pela via militar, atrav�s do U�K, e o acordo ficou sem efeito. Rugova era um pacifista, nunca aceitou a viol�ncia como m�todo. Era at� chamado de Ghandi dos Balc�s. Quando chegou a U�K, os s�rvios disseram: Ai querem a viol�ncia?... Ent�o vamos para a viol�ncia!.

Para estar t�o bem informado, D. Matteo � um padre que l� muitos jornais...

- Eu penso que um padre deve ler o jornal todos os dias. Ou melhor: todos os crist�os devem ler um jornal todos os dias. Caso contr�rio, vivem nas nuvens. � necess�rio ler a B�blia e o

jornal, todos os dias. **** TODO CIDADAO DEVE LER O JORNAL E TODOS DEVEM LER OS LIVROS DE TODOS *******

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