"Um dos grandes problemas da nossa sociedade � o trauma da morada. Por exemplo, h� uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete Rios, comprou um andar em Carnaxide.
Fica pert�ssimo de Lisboa, � agrad�vel, tem �rvores e caf�s. S� tinha um problema. Era em Carnaxide.
Nunca mais ningu�m o viu.
Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Maurit�nia!
Acontece o mesmo com todos os s�tios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas n�o lhes ligam pevide.
Um pal�cio com sessenta quartos em Carnide � sempre mais traum�tico do que umas �guas-furtadas em Cascais. � a injusti�a do endere�o.
Est�-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa educa��o ou por curiosidade, onde � que vivemos. O tamanho e a arquitectura da casa n�o interessam. Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massam�, Brandoa, Cumeada, Agualva-Cac�m, Abuxarda, Alformelos, Murtosa, Angeja. ou em qualquer outro s�tio que soe � topon�mia de Angola.
Para n�o falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. (...)
Ao ler os nomes de alguns s�tios - Penedo, Magoito, Porrais, Venda das Raparigas, compreende-se porque � que Portugal n�o est� preparado para a Europa.
De facto, com s�tios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa o Resto (Santiago do Cac�m), como � que a Europa nos vai integrar?
Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira n�o � nada comparado com certos nomes portugueses.
Imagine-se o impacto de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavi�o) no meio de um jantar.
Veja-se a cena num ch� dan�ante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a menina de onde �?", e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho). E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora, presentemente?", S� para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouri�a (Estremoz).
� terr�vel. O que n�o ser� o choque psicol�gico da crian�a que acorda, logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Verg�o Fundeiro? Verg�o Fundeiro, que fica no concelho de Proen�a-a-Nova, parece o nome de uma vers�o transmontana do Garganta Funda.
Ali�s, que se pode dizer de um pa�s que conta n�o com uma Vergadela (em Braga), mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso ? Ser� ou n�o exagerado relatar a exist�ncia, no concelho de Arouca, de uma Vergadelas?
� evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra".
Ningu�m � do Porto ou de Lisboa.
Toda a gente � de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embara�ante, daqueles que fazem apetecer mentir.
Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indica��o de naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro).
� absolutamente imposs�vel explicar este acidente da natureza a amigos estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away...").
Apresente-se no aeroporto com o cart�o de desembarque a denunci�-lo como sendo origin�rio de Filha Boa.
Ver� que n�o � bem atendido. (...) N�o h� limites. H� at� um lugar chamado Cabr�o, no concelho de Ponte de Lima !!!
Urge proceder � renomea��o de todos estes apeadeiros.
H� que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou ent�o parecidos com os nomes dos restaurantes gira�os, tipo : N�o Sei, A Mousse � Caseira, Vai Mais um Rissol. (...)
Tamb�m deve ser dif�cil arranjar outro pa�s onde se possa fazer um percurso que v� da Fome Aguda � Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte P�o e �gua (M�rtola), sem passar por Pori�o (Vila Verde), e acabando a comprar rebu�ados em Bombom do Bogadouro (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Al�aperna (Lous�).
(Miguel Esteves Cardoso)
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